quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Menu Infantil

O Gabriel vem comigo muitas vezes para o escritório. Fica por lá a ver vídeos, a ler e não chateia nada. Durante os períodos de férias são muitos as crianças que vão para lá. Não há sítio para as deixar e a melhor opção é ficarem sentadas numa cadeira qualquer a passar o tempo em frente ao computador. Eles não se queixam, até porque ao almoço já sabem que vão comer pizza ou um hambúrguer num dos restaurantes das redondezas.


segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sair do sofá

Os dias passados na Shalouba são mais tranquilos e compensadores do que os dias que passamos em casa. O Gabriel pode andar a brincar na rua com os miúdos que aparecem por lá. Jogam à bola, jogam no Tablet, correm do lado para o outro e chateiam-se uns com os outros. É bom vê-lo a fazer outras coisas para além de jogar Playstation ou ver vídeos do Youtube. É uma forma de ele crescer mais depressa e desenvolver algumas capacidades físicas e sociais.
Ao mesmo tempo nós falamos mais. Eu desenho um bocado, tu lês um bocado, fazemos um scroll desinteressado pelas redes sociais e os dias assim, naquela esplanada, parecem mais preenchidos e menos monótonos.
Numa tarde os miúdos estavam a brincar e conseguiram colocar, sem querer, uma bola nos ramos duma árvore. Os miúdos ficaram para ali a tentar tirar o esférico dos arbustos e não conseguiam resolver o problema. Ficámos a olhá-los e tu começaste a desafiar-me para ir lá, resgatar aquela ansiedade infantil. Lá me convenceste e com uma garrafa cheia de água, para ser pesada, tentei desprender a bola o que consegui após algumas tentativas. As crianças depositaram muitas esperanças em mim e ter correspondido às expectativas fê-los bater palmas e dar urras de contentamento. Quando regressei tu estavas a sorrir, parecias impressionada com um feito tão banal e perguntaste-me se me sentia o herói da criançada.

As coisas são sempre mais divertidas quando estamos fora de casa.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Bright are the stars that shine

Hoje sonhei que estávamos numa loja em Liverpool e foste à casa de banho. Enquanto saíste de ao pé de mim, fiquei a ver os produtos e quis-te oferecer uma prenda sem saberes. Eles tinham lá uma pilha de singles, em vinil, em que grandes nomes da música cantavam uma música dos Beatles. Procurei na pilha e encontrei um exemplar em que o Kurt Cobain cantava o And i lover her. Fiquei mesmo doido para te oferecer aquilo. Só que havia o problema de não terem a gravação em nenhum outro formato a não ser em vinil. Matutei se, mesmo assim, mesmo não tendo um gira-discos em casa te haveria de comprar o disco, para teres a felicidade do objecto. Acabei por não comprar por achar não ter sentido teres uma coisa que não pudesses usufruir.
E sabes o que é curioso? É que, o Kurt Cobain gravou mesmo a canção. Já viste isto? Não sabia disso, juro que não sabia.


A carregar

Queixas-te muito dos telemóveis. As baterias ficam sempre estragadas e chegas a um ponto em que já é impossível conseguires fazer o que quer que seja.  Por isso estás sempre a comprar telemóveis, um ano e meio em um ano e meio e raramente ficas contente com eles.
Mas hoje li uma coisa que devias saber. Eis o que fazer para que as tuas baterias durem mais. Isto vem em sites de tecnologia:
. Não deves deixar o telemóvel a carregar a noite toda.
. Não deves usar o telemóvel enquanto o carregas.
. Não deves carregar o telemóvel no computador
. Não deves deixar acabar a carga totalmente
. Não deves deixar a carga chegar aos 100%

É incrível como fazemos tudo mal.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Cinco estrelas

Ela gosta de ler depois de ver os filmes. As críticas e as curiosidades. Às vezes concorda outras não. Enquanto lê a quantidade informação que acha necessária para perceber melhor o que assistiu, deitada no sofá, vai-me resumindo em voz alta o que acha mais interessante. Uma vez ficou muito aborrecida porque um crítico achou que a mulher no filme Paterson era talentosa e uma força da Natureza.  
- Nem pensar, acho-a insuportável, chata e atrasa a vida daquele homem que tem de se refugiar na cave para poder escrever a sua poesia. Como é que um crítico de cinema pode escrever uma coisa destas?
No Dunkirk, por exemplo, achou porreira a construção de tempo e ficou satisfeita por saber que o núcleo aéreo correspondia a uma hora porque era o tempo que os aviões conseguiam voar com o tanque cheio. Gostou muito do Dunkirk. Eu também. Sempre que um filme nos toca sentimo-nos mesmo aliviados.


quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Queimar a pestana

O que precisamos é de um bom, dissemos-lhe. Não há problema nenhum se não tiveres, mas gostávamos que tivesses um bom. Basta um, à disciplina que quiseres. Ficaríamos muito contentes.
Tá bem. – prometeu.

Mason & Barry

A Mina de São Domingos é um sítio delicioso.  Pelo menos assim o achávamos. Perdido no interior alentejano, onde as estradas serpenteiam numa dolorosa dança, chegar até lá é árduo. O sol queima empenhado o metal do carro durante toda a viagem e quando se deixa o conforto do ar condicionado e se saí para fora é difícil não soltar um foda-se.

Nos primeiros anos andávamos apaixonados pelo sítio. Queríamos tanto encontrar um lugar só nosso que foi muito fácil adotar a Mina.  Gostávamos da calma, da simplicidade de tudo, dos preços, das pessoas, da falta de rede no telemóvel e do isolamento a que estávamos confinados. Fascinámo-nos com os despojos industriais, a água sempre quentinha, o encanto da pizzaria cheia numa terra isolada, as escolas enormes para poucos alunos e o circo saltimbanco que durava umas quatro horas. Ela emocionava-se no cemitério inglês e deliciava-se com qualquer gaspacho que lhe servem e dava o peixe frito ao Gabriel que o comia com o seu ar de esquilo a dar dentadinhas numa bolota.

O pôr-do-sol batia tudo. No pequeno areal conseguíamos estar a tomar banho com o sol a despedir-se, a luz do dia a desvanecer-se por trás das arvores da tapada. Era um momento pelo qual valia a pena fazer toda aquela viagem. Era o instante em que percebíamos que aquela era também a nossa casa.

Mas este ano já não sentimos o amor habitual. A falta de novidades e de interesses que pudessem ser explorados deixou-nos aborrecidos. As mesmas pessoas, a mesma comida, os mesmos restaurantes, o mesmo circo, o mesmo percurso que nos levava à praia e o mesmo calor que nos remetia para o fresco do ar condicionado de casa. Sem rede de telemóvel tornava-se ainda mais difícil mitigar o silêncio. Então esperámos, esperávamos que os dias passassem para podermos sair dali e voltar ao ruído da cidade.

Mas, enquanto percorríamos a auto-estrada no regresso, longe das curvas e das contra- curvas das estradas nacionais, interrogamo-nos se nós, tal como a Mina, também continuamos iguais ao que eramos há quatro anos. Na verdade, o problema pode não ser daquela terra de gente generosa e simpática mas antes nosso. Qual a urgência que temos de sentir um abanão para podermos apaixonarmo-nos pelas coisas outra vez?

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Pipocas

Ontem ficou desiludida com o episódio da Guerra dos Tronos. Achou tudo banal e a narrativa estava tão rápida que parecia retirada dum Blockbuster de Verão. A melhor história jamais contada como lhe chama o marido, estava agora descaracterizada, sem alma e sem a profundidade que fazia das segundas feiras um dia tão especial. Mesmo assim, diz ela, já agora, gostava de saber para onde isto vai.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Amazonas

Ele leu que as Amazonas tinham esse nome porque era-lhes retirado o mamilo do seio direito para não interferir com o tiro do arco. Era a forma salvaguardar a pontaria. Do grego, a que quer dizer "sem" e mazós "seio". Se ela não estivesse tão chateada com ele ao ponto de lhe ter gritado ao telefone, ele tinha-lhe escrito essa informação pelo whatsapp porque sabe que ela gosta de saber estas coisas.


sexta-feira, 24 de março de 2017

Pisar cidades

Sempre que pensa no que ainda gostava de ver, a lista tende a ser grande e cresce a cada minuto. Ele sabe que não vai conseguir presenciar em vida nem a um terço dessas coisas. Gostava de perder-se na solidão de Tóquio ou então espreitar do céu para Manhattan por aqueles binóculos em que é preciso colocar uma moedinha. A Islândia porque toda a gente tem um fascínio por aquela paisagem e nunca ninguém se queixou. Paris, Barcelona, Madrid, Praga e Roma já viu, como Londres por exemplo, por isso descartou um pouco voltar a elas, embora adore as pequenas mesas das esplanadas de Paris e goste muito de sentir aquela intimidade plagiada na Brasileira. Não lhe atrai muito Veneza e tem algum encanto por Florença embora seja em Nápoles que gostava de apostar as suas fichas. Primeiro porque ela adorou os livros da Elena Ferrante. Mergulhou neles durante meses e depois porque muitas histórias que viram e gostaram no cinema passaram-se lá. Quando marcaram a última viagem, em que decidiram visitar pela segunda vez Roma, porque não se viu tudo na lua de mel, passados uns dias e por ironia, as viagens para Nápoles passaram a ser diretas, comemorando-se a nova rota, com passagens bem baratas. Foi um golpe de azar.


terça-feira, 7 de março de 2017

Quentinho

Todos os dias ferve um litro de água para encher uma botija de borracha. Quando se deita na cama, coloca a botija junto aos pés, por baixo dos lençóis e dos cobertores. Aquele pequeno foco de calor permite-lhe passar a noite mais aconchegada. No Inverno tem sempre mais frio do que as outras pessoas e é-lhe difícil o conforto.
Os dias frios de Inverno vão passando vagarosos e dando lugar às noites mais amenas da Primavera. Ela continua a ferver o seu litro de água todos os dias. Vai haver um momento em que vai parar, vai encostar a botija a algum canto e começar a queixar-se do calor insuportável que sente. Rodear-se de ventoinhas de todos os tamanhos e deixando-as ligadas horas seguidas.
Até que o Inverno volta. Nessa altura desliga as ventoinhas e procura por todas as gavetas a velhas botija de borracha.


quarta-feira, 1 de março de 2017

Um pacote de açúcar

Amanhã não me posso esquecer de comprar açúcar. Ela lembrou-se no carro, depois de sairmos do parque de estacionamento do supermercado onde fomos fazer as compras da semana. Levámos uma lista com vários itens, mas o açúcar não estava lá e por isso não o trouxemos. Ela ficou muito desiludida por não se ter lembrado. Quando se lembrou, bateu com força as mãos no volante e disse uma asneira. Prometi-lhe que lhe trazia um pacote no dia seguinte. Ela avisou-me que eu ia esquecer-me, porque ninguém se recorda de comprar açúcar sem mais nem menos. Por isso, programei o alarme do telemóvel para tocar amanhã, mais ou menos à hora a que o meu comboio chega à estação.
Vou impressioná-la por não ter esquecido o que lhe prometi, mas ela já nem se deve lembrar do bolo que queria fazer.