sexta-feira, 24 de março de 2017

Pisar cidades

Sempre que pensa no que ainda gostava de ver, a lista tende a ser grande e cresce a cada minuto. Ele sabe que não vai conseguir presenciar em vida nem a um terço dessas coisas. Gostava de perder-se na solidão de Tóquio ou então espreitar do céu para Manhattan por aqueles binóculos em que é preciso colocar uma moedinha. A Islândia porque toda a gente tem um fascínio por aquela paisagem e nunca ninguém se queixou. Paris, Barcelona, Madrid, Praga e Roma já viu, como Londres por exemplo, por isso descartou um pouco voltar a elas, embora adore as pequenas mesas das esplanadas de Paris e goste muito de sentir aquela intimidade plagiada na Brasileira. Não lhe atrai muito Veneza e tem algum encanto por Florença embora seja em Nápoles que gostava de apostar as suas fichas. Primeiro porque ela adorou os livros da Elena Ferrante. Mergulhou neles durante meses e depois porque muitas histórias que viram e gostaram no cinema passaram-se lá. Quando marcaram a última viagem, em que decidiram visitar pela segunda vez Roma, porque não se viu tudo na lua de mel, passados uns dias e por ironia, as viagens para Nápoles passaram a ser diretas, comemorando-se a nova rota, com passagens bem baratas. Foi um golpe de azar.


terça-feira, 7 de março de 2017

Quentinho

Todos os dias ferve um litro de água para encher uma botija de borracha. Quando se deita na cama, coloca a botija junto aos pés, por baixo dos lençóis e dos cobertores. Aquele pequeno foco de calor permite-lhe passar a noite mais aconchegada. No Inverno tem sempre mais frio do que as outras pessoas e é-lhe difícil o conforto.
Os dias frios de Inverno vão passando vagarosos e dando lugar às noites mais amenas da Primavera. Ela continua a ferver o seu litro de água todos os dias. Vai haver um momento em que vai parar, vai encostar a botija a algum canto e começar a queixar-se do calor insuportável que sente. Rodear-se de ventoinhas de todos os tamanhos e deixando-as ligadas horas seguidas.
Até que o Inverno volta. Nessa altura desliga as ventoinhas e procura por todas as gavetas a velhas botija de borracha.


quarta-feira, 1 de março de 2017

Um pacote de açúcar

Amanhã não me posso esquecer de comprar açúcar. Ela lembrou-se no carro, depois de sairmos do parque de estacionamento do supermercado onde fomos fazer as compras da semana. Levámos uma lista com vários itens, mas o açúcar não estava lá e por isso não o trouxemos. Ela ficou muito desiludida por não se ter lembrado. Quando se lembrou, bateu com força as mãos no volante e disse uma asneira. Prometi-lhe que lhe trazia um pacote no dia seguinte. Ela avisou-me que eu ia esquecer-me, porque ninguém se recorda de comprar açúcar sem mais nem menos. Por isso, programei o alarme do telemóvel para tocar amanhã, mais ou menos à hora a que o meu comboio chega à estação.
Vou impressioná-la por não ter esquecido o que lhe prometi, mas ela já nem se deve lembrar do bolo que queria fazer.