Nunca gostei da nova literatura a que alguém chamou, e muito bem, de literatura de aeroporto. É uma escrita rápida, vazia e com técnicas de argumento de mau cinema. Os capítulos são curtinhos, cerca de duas páginas, para o leitor, coitadinho, não se cansar e que terminam sempre com uma meia revelação que serve de âncora para o capítulo que virá daqui a duas ou três páginas, jogando artificialmente com a curiosidade do fantoche que está a ler aquilo.
Detesto isso. Li O código da Vinci e pronto fiquei doente uma semana. A Melissa, que até gosta destas coisas, não fosse ela argumentista, comprou uma merda qualquer do José Rodrigues dos Santos e só a ouvia dizer “Oh Meu Deus” e cansada de tanta trapalhada foi à livraria pedir o dinheiro de volta e, imagine-se, eles devolveram.
Mas esta praga espalha-se como doenças num infantário e existem escritores a fazer uma rica vida disto. Vendem milhões de exemplares e as suas obras estão por todo o lado.
Depois do sucesso comercial que foi a trilogia Millenium, que nunca li, o mundo despertou para os policiais nórdicos. Começaram a chegar aos escaparates dezenas de títulos com lindas capas, brancas e manchadas a sangue como convém e a moda instalou-se.
Nunca fui um leitor de policiais, embora tenha passado por alguns livros pulp publicados pela Agência Portuguesa de Revistas e James Elroy que muito apreciei.
Munido de esperança e sabendo que os nórdicos além de terem bons políticos e mulheres bonitas fazem também boa música, imaginei que os policiais acompanhassem a qualidade de outras áreas. Uma amiga comum emprestou-nos o recente Lembro-me de ti da islandesa Yrsa Sigurdardóttir que ganhou o prémio de ficção policial nórdica.
Iniciei a leitura todo contente e até nasceu bem. Bom ambiente e coisas ruins e inexplicáveis a acontecerem. Aos poucos, não sei se por preguiça ou falta de jeito, os capítulos começaram a finalizar com as âncoras e as personagens com nomes esquisitos a falar todas da mesma maneira, sendo todas iguais, sem características que as diferenciassem umas das outras e aos poucos o ambiente foi parar às urtigas. A paciência esgotou-se quando um doente terminal, cuja situação clínica foi descrita pela autora como “O velho tinha piorado…Os papos sob os olhos estavam amarelados e, apesar da febre que se instalara, o seu rosto estava de uma palidez mortal. Nem a tosse lhe provocara cor nas faces. A única coisa que aquele fraco ruído seco causava era interferir naquilo que estava a dizer.”
Mas não, o raça do velho ficou em amena cavaqueira com o polícia, lembrando-se de todos os pormenores duma situação ocorrida há 40 anos nunca se sentindo cansado e até, pasme-se, debitando frases enormes e assertivas que muito úteis foram para o desvendar do mistério. Parei na página 160 a bufar o tempo perdido.
Que se lixem os policiais nórdicos, se é para isto não contem mais comigo!
Desenho de Tommy Kane